Após décadas de envolvimento ativo na política nacional, o ex-senador José Serra agora mantém uma agenda mais tranquila em São Paulo, devido a questões de saúde. No entanto, em uma entrevista exclusiva por telefone à TV Brasil, ele relembrava os 50 anos do Golpe no Chile, que ocorreu em 11 de setembro. Durante a década de 1960, Serra viveu no exílio no Chile, onde foi preso pelo regime ditatorial de Augusto Pinochet após 1973.
Em 1964, quando o golpe militar ocorreu no Brasil, José Serra era o Presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE). Esse evento o forçou a abandonar seus estudos de Engenharia na Universidade de São Paulo (USP). No ano seguinte, ele partiu para o exílio, passando pela Bolívia e França, até finalmente estabelecer-se no Chile. Lá, ele concluiu seus estudos, fez pós-graduação e se tornou um respeitado pesquisador e professor.
No entanto, logo após o Golpe em 11 de setembro de 1973, que resultou na deposição e morte do então presidente chileno Salvador Allende, José Serra foi preso. Isso aconteceu “para nossa surpresa, até certo ponto”, pois ele tinha alguma imunidade devido à sua condição de estrangeiro e ao seu trabalho em um programa internacional. “Mas isso não foi levado em consideração. Como eu sou filho de italiano, tinha a cidadania e já havia conversado com a embaixada.”
Mesmo com a intervenção da Embaixada da Itália no Chile, Serra foi preso e levado ao Estádio Nacional, um dos principais centros de tortura e execução do regime. Lá, ele ficou isolado e não testemunhou muitos eventos, mas ele considera que a repressão chilena foi a pior entre as ditaduras latino-americanas. Após negociações intensas entre as autoridades italianas e os militares chilenos, ele conseguiu autorização para ir para os Estados Unidos, onde passou meses morando na embaixada.
Serra comenta sobre os eventos na época, afirmando: “O que aconteceu no Chile surpreendeu a todos, pela truculência. Não que a gente não imaginasse que aquilo fosse possível, mas não de forma tão ampla, atingindo tanta gente.” Naquela época, ele e outros brasileiros exilados não tinham quase nenhuma participação no governo de Allende.
Ele compartilha que, em geral, levavam suas vidas e observaram o processo que levou às reformas populares mais amplas da época. No entanto, isso também resultou em uma explosão da inflação e em divergências entre o governo e associações populares de um lado, e militares e grupos empresariais do outro.
José Serra critica a forma como as esquerdas idealizaram o governo Allende sem o golpe liderado por Augusto Pinochet. “A piora na situação econômica, a superinflação, o desempenho do governo foi decisivo na mobilização das forças pró-golpe. Não há como saber o que teria acontecido no país sem a intervenção. Há muita fantasia nesse sentido, do que poderia ter sido o Chile se não houvesse o golpe. O que houve, após o golpe, foi muita barbaridade.”
A profundidade da repressão também se refletiu na maneira como o país lidou com esses crimes após o fim do regime. Serra acredita que, após testemunharem os excessos da extrema-direita, o que permaneceu foram valiosas lições. Ele enfatiza que o Chile e, em certa medida, toda a América Latina aprenderam “o valor da democracia, o valor de cuidar das regras da democracia e a importância do respeito aos adversários” após as ditaduras.
Fonte: Agência Brasil