Em agosto de 1990, surpreendeu a população de São Paulo a visão de um jacaré-de-papo-amarelo tomando sol às margens do Rio Tietê, próximo da Vila Maria, na zona norte da cidade. Sua tenacidade em habitar um ambiente poluído, apesar da baixa taxa de oxigênio, deu-lhe o apelido de “Teimoso”.
Teimoso não apenas causou congestionamento de tráfego devido à curiosidade dos motoristas, mas também mobilizou a população em uma campanha pela despoluição do Rio Tietê. A persistência de Teimoso em sobreviver nas águas degradadas tornou-se um símbolo na luta pelo Rio Tietê, envolvendo a sociedade nesse esforço. Em 1992, durante a ECO-92, no Rio de Janeiro, um abaixo-assinado com mais de 1,2 milhão de assinaturas foi entregue ao então governador de São Paulo, Luiz Antônio Fleury Filho, exigindo a despoluição do rio.
A partir desse episódio, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) iniciou o Projeto Tietê para despoluir o rio, e a organização não governamental (ONG) SOS Mata Atlântica criou um programa de monitoramento da qualidade da água chamado Observando o Tietê, que posteriormente se expandiu para mais de 17 estados e se tornou o Observando os Rios.
Neste ano, o monitoramento do rio, realizado com o apoio de voluntários, revelou que a mancha de poluição no Tietê continua a crescer. Atualmente, a água de qualidade imprópria para usos múltiplos se estende por 160 quilômetros. Isso representa um aumento de 31% em relação a 2022, quando a mancha atingiu 122 quilômetros. Em comparação com 2021, quando eram 85 quilômetros, a mancha praticamente dobrou, gerando preocupação na ONG. Esses dados foram divulgados recentemente em São Paulo, durante uma cerimônia que marcou os 30 anos do programa de monitoramento da qualidade da água da SOS Mata Atlântica.
De acordo com o coordenador do Observando os Rios da SOS Mata Atlântica, Gustavo Veronesi, esse resultado é um alerta porque a qualidade da água se manteve regular. Embora tenha havido algumas melhorias em alguns pontos, houve piora em outros, resultando em uma certa estabilidade. Veronesi enfatiza que melhorar a qualidade da água do Tietê requer esforços específicos que envolvam não apenas o saneamento básico, mas também ações de municípios, empresas, agricultores, comerciantes e cidadãos.
Dos 160 quilômetros com água imprópria devido à poluição, 33 quilômetros apresentam uma qualidade péssima, enquanto o restante indica qualidade ruim. A mancha de poluição se estende desde a nascente até a cidade de Barra Bonita, na Hidrovia Tietê-Paraná.
Andrea Ferreira, responsável pelo Projeto Tietê da Sabesp, sugere que o aumento da mancha pode ser atribuído a vários fatores, incluindo o regime de chuvas, poluição difusa e o aumento das ocupações irregulares. Ela ressalta que a despoluição do Tietê é um desafio significativo e que os resultados indicam a necessidade de ampliar o tratamento de esgoto. A solução requer uma ação conjunta de diversos setores, envolvendo municípios, empresas e a comunidade em geral.
Como o maior rio de São Paulo, o Tietê corta o estado de leste a oeste, atravessando áreas urbanas e municípios de grande importância para a produção agropecuária. É dividido em seis unidades de gerenciamento de recursos hídricos, também conhecidas como bacias hidrográficas.
O trabalho realizado pelo Observando os Rios envolve 41 grupos de voluntários em 28 municípios, incluindo 18 pontos de monitoramento na capital paulista. A avaliação abrange 16 indicadores, seguindo o Índice de Qualidade da Água, ao longo de 576 quilômetros e em 59 pontos de coleta distribuídos por 34 rios de diferentes bacias hidrográficas.
Além do aumento da mancha de poluição, o relatório do Observando os Rios também revelou que a proporção de água de boa qualidade aumentou, passando de 60 quilômetros no ano passado para 119 quilômetros na medição atual. No entanto, a maior parte do trecho monitorado continua em condição regular, indicando uma situação geral estável. Não foi observada água de qualidade ótima.
Segundo a SOS Mata Atlântica, a qualidade da água é boa em 61 quilômetros que vão desde a nascente do rio até a cidade de Mogi das Cruzes, e em 58 quilômetros próximos ao Reservatório de Barra Bonita. Os 293 quilômetros restantes apresentam qualidade regular e estão divididos em quatro trechos nas bacias do Alto e Médio Tietê.
A luta da SOS Mata Atlântica pela despoluição do Rio Tietê vai além do desejo de ver o rio limpo; é uma batalha pelo reconhecimento do direito à água limpa como um direito humano. A organização enfatiza a importância de incluir a agenda da água nas eleições municipais e de pressionar os futuros prefeitos a enfrentar esse desafio. Afinal, a água limpa é essencial para a segurança hídrica e para uma variedade de usos, desde o abastecimento público até atividades de lazer e produção de alimentos. A despoluição do Rio Tietê é um projeto que envolve toda a sociedade e é uma demonstração de que é possível recuperar um importante rio brasileiro.
Fonte: Agência Brasil